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Plástico nos chocolates pode trazer "amargo de boca" reputacional à Mars

Publicado em Jornal de Negócios
O silêncio da multinacional está a ser muito criticado pelos consumidores. Os especialistas aconselham resposta rápida nas redes sociais, honestidade no marketing e transparência na comunicação.
Bastaram uns vestígios de plástico vermelho num único chocolate para a gigante norte-americana Mars Incorporated ordenar de imediato a recolha das barras de várias das suas marcas, como a Mars e a Snickers, num total de 55 países, incluindo Portugal. Mas se o local – a fábrica na Alemanha – e a data de fabrico – através da validade entre 19 de Junho de 2016 e 8 de Fevereiro de 2017 – até foram rapidamente confinados, os danos reputacionais podem vir a ser superiores ao inicialmente estimado.
Em causa está sobretudo a (falta de) reacção da empresa alimentar nas diferentes redes sociais, onde o silêncio está a ser muito criticado pelos consumidores. Uma ausência que, sustentam os especialistas em marketing e comunicação ouvidos pelo Negócios, faz com que uma crise que podia ser passageira comece a complicar-se. E faz das plataformas digitais terreno fértil para o surgimento de conteúdos associados, das mais inofensivas brincadeiras até aos boatos mais sérios.
A multinacional fundada em 1911 e com sede na Virgínia, que detém 29 marcas de chocolate, as pastilhas Wrigley, o arroz Uncle Ben’s ou a comida para animais Pedigree, teve como primeira e principal peça de comunicação uma nota publicada na página oficial da Internet, que no final, como acontece com as outras entradas, convida à partilha de opiniões e remete para a página corporativa no Facebook, que tem mais de 102 mil “gostos”.
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Além das quase duas centenas de partilhas, a publicação sobre a recolha voluntária de chocolates tem já vários comentários pouco abonatórios para a companhia, que em 2015 registou vendas globais de 33 mil milhões de dólares (cerca de 30 mil milhões de euros). Entre lamentos sobre os prazos – “mais de um mês para fazer a recolha dos produtos não é uma reacção rápida” – multiplicam-se as críticas à “perda de tempo” na tentativa de contacto e à falta de resposta às dúvidas que ali estão a ser colocadas.
Por exemplo, sobre a forma de devolução e o que deve ser feito no caso dos sacos de miniaturas que contêm artigos fabricados em vários países. Também a página comercial da Snickers na mesma rede social não faz referência ao episódio, o que não impede os utilizadores de lá escreverem questões e críticas, que também estão sem resposta quase 24 horas após o anúncio da empresa.
Joana Carravilla, country manager da Elife Portugal, especializada em monitorização e relacionamento nas redes sociais, sublinha que, além de “evidentemente lamentar o sucedido e garantir que tomaram as medidas para que não volte a acontecer”, em termos de resposta ao público “as marcas devem formar uma equipa específica para dar resposta a todas e quaisquer dúvidas” que surjam. Devem “ser humildes, informar os consumidores e responder às dúvidas de forma sempre personalizada, mesmo que seja um esforço repetitivo”, insiste.

Joana Carravilla, country manager da Elife Portugal, diz que as marcas devem “ser humildes e informar os consumidores”. ? © PAULO DUARTE/NEGÓCIOS

 
“Mesmo em termos de Relações Públicas, as notas de imprensa devem ter em conta o que está a ser dito através das redes sociais, que são a única forma que temos de auscultar o impacto em tempo real. O impacto nas vendas só vai ser visto a médio prazo. A curto prazo, a forma de minimizar os danos que lhe possa causar é estar atenta ao que dizem os consumidores”, acrescenta a gestora da filial desta empresa brasileira, que está aberta desde 2008 e que conta com 18 funcionários em Portugal.

Captura de ecrã 2016-08-23, às 16.18.44
 

No dia seguinte à decisão de recolha de chocolates nos países europeus, uma das entradas mais partilhadas no Twitter é este “cartoon” de Delucq, um desenhador nas páginas da imprensa, autor de desenhos de humor e de banda desenhada e que se apresenta ainda como músico e artista plástico. Uma outra utilizadora alemã carregou também uma fotografia de prateleiras vazias num supermercado, escrevendo que “de repente há uma corrida aos últimos Snickers e Mars”, que na verdade terão sido retirados do mercado pelo retalhista, a pedido da marca.
 

A directora da Elife Portugal aconselha as marcas a “fazer uma monitorização activa para ver as trocas de opiniões nas redes sociais e conversar com os consumidores quando há informação falsa, quando a informação pode ter danos para a sua imagem e há a oportunidade de dar uma outra mais positiva”. Em resumo, fazer uma pesquisa intensa na web, ser mais proactivo do que reactivo, dando assim resposta ao que está a ser dito pelo público.
“Há sempre uma reacção imediata nas redes sociais. E não me parece sensato não responder e estar em silêncio. Se não tem as respostas efectivas para dar, devia dizê-lo. ‘Estamos a analisar o problema’, ou seja, responder mesmo que não saiba as conclusões imediatas, mas garantir que está a trabalhar no assunto”, concorda Daniel Sá, director executivo do IPAM – The Marketing School.

Daniel Sá, director executivo do IPAM – The Marketing School, diz que as marcas não podem ficar no silêncio. ? © Direitos Reservados

O que fazer então? “Provar que o problema técnico está resolvido – e tem de facto de o resolver – e depois desencadear acções de comunicação, que são dirigidas directamente aos consumidores, mas também aos retalhistas, aos intermediários e à comunicação social para mostrar que o problema está resolvido”, detalha, acrescentando que “se o problema é controlável – e este parece ser – isto pode ter algum dano imediato mas sem dano a longo prazo”.
“Se o consumidor tem confiança na marca – e neste caso ela está no mercado há muitos anos, tem uma história e uma reputação – e se ele souber a verdade, pode perdoar a marca. É como nas relações pessoais, se formos honestos tudo se pode resolver. Ou seja, depende sempre da gravidade do erro e da capacidade de o conseguir resolver e depois de comunicá-lo adequadamente”, resume o director executivo do IPAM, que tem escolas no Porto e em Lisboa e que há um ano foi comprado pelo grupo norte-americano Laureate, que em Portugal já era dono da Universidade Europeia.
 

Tiago Vidal, director-geral da Llorente & Cuenca em Portugal, diz que é a relação de confiança que pode ser mais ou menos afectada. ? © BRUNO SIMÃO

Já no capítulo da comunicação, o essencial é a transparência, frisa ao Negócios o director-geral da Llorente & Cuenca em Portugal, para quem a relação entre os consumidores e as marcas é baseada não só nos atributos dos produtos ou serviços dessa empresa, mas também numa questão de confiança. E num caso destes é essa relação de confiança que pode ser mais ou menos afectada.
Tiago Vidal releva também que essa comunicação com transparência para minimizar os impactos negativos deve ser feita junto dos diferentes públicos. Não só os consumidores finais, mas também os parceiros de negócio, os accionistas e o público interno da empresa devem ser envolvidos nessa comunicação transparente. “São todos afectados e deve ser dada atenção a todos eles”, adverte o responsável da consultora.

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