Publicado por Ana Vilela
Publicado a Abril 4, 2017
Costumo almoçar sozinho há vários anos. E uma das minhas manias é ouvir, até de maneira involuntária, as conversas da mesa ao lado. Dependendo dos lugares em que se almoça as conversas são bem diferentes. Mas em geral duas ou mais pessoas falam de outras pessoas que não estão com elas. Seja um colega de trabalho, familiar, fornecedor ou cliente.
Segundo o antropologista britânico Robin Dunbar, quando conversamos é que reforçamos nossos laços sociais. Passamos pelo menos 20% do nosso tempo a conversar. E falar sobre outras pessoas ou sobre situações é das atividades mais importantes para estreitar relacionamentos.
Já era assim com os primatas. Depois que desceram das árvores e formaram grandes grupos nómadas nas savanas os primatas passaram a socializar através do “grooming” que, numa tradução literal, é “contato físico com as pontas dos dedos para limpeza do pêlo do outro membro do grupo”. Este “grooming” representava na cadeia evolutiva a conversinha do almoço de hoje: os primatas trocavam informações importantes sobre alianças, parceiros e inimigos apenas pelo contato ou ausência dele.
O próprio Dunbar defende que a língua e a linguagem surgiram a partir do crescimento das tribos de primatas: os grupos ficaram tão grandes que era impossível fazer “grooming” com o grupo todo sem comprometer o tempo dedicado ao mais importante: caça e alimentação. Passamos a fazer sons e evolutivamente a falar, agilizando o processo de comunicação sem o toque dos dedos. Magia? Não, a língua e a linguagem surgiram como resultado da evolução da nossa espécie.
Século XXI. O processo evolutivo continua. Criamos gadgets, inventamos WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram para o grooming ficar ainda mais rápido. Ampliamos a nossa conversa do almoço muito além do limite sem ampliar muito o tamanho do córtex cerebral, o mais desenvolvido entre os mamíferos.
Ao analisar a evolução dos primatas até os dias de hoje, fica patente o quanto aperfeiçoamos o processo de transmissão de informações dentro e fora das nossas redes de relacionamento. Neste novo mundo as conversas são a nova interface. E a reputação positiva é o objetivo esperado. O mais incrível e que nós, gestores de Marketing, não percebemos: a comunicação corporativa e o marketing estão a apostar cada vez mais também nas conversas próximas, individuais e verdadeiras.
Há indícios:
Os bots que funcionam na plataforma do Facebook somam-se às estatísticas de tecnologia para conversar. Atualmente, no Brasil, os bots ajudam milhares de consumidores a resolverem desde um extrato de banco até uma senha perdida.
E as empresas? Muitas delas ainda almoçam sozinhas, não se envolvem nas conversas. Não por curiosidade, mas por puro medo. Ou por estarem presas em modelos de comunicação descendentes (de cima para baixo) do passado. Chamava-se isso de mass media!
Mesmo quando investem em modelos conversacionais estas empresas imitam um diálogo de uma maneira falsa. Criam bots que mandam propagandas ou canais em redes sociais onde o mais importante é o alcance de suas mensagens, não o diálogo aberto e verdadeiro com os stakeholders. Falta o envolvimento genuíno numa conversa com o consumidor.
É óbvio que as marcas não devem sair se metendo em conversas alheias. Mas a era das marcas que almoçam sozinhas está a acabar. Talvez eu mesmo deva aceitar mais convites para a hora do almoço.
Alessandro Lima
CEO do Grupo Elife
Categorias: Blog
Tags: marketing digital, social CRM