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O potencial escondido no prazer de navegar online

Há muitos anos, o espaço digital tem ganhado muita relevância no comportamento do consumidor, uma vez que este ambiente passou a concentrar cada vez mais as atividades dos consumidores: além de ler notícias e comunicar, as pessoas passaram a exercer todas as suas atividades diárias no contexto online: fazer compras, pagar contas, ver programas e filmes, ouvir música.
A lista de atividades que se pode fazer online só cresce e a adoção dos consumidores tem vindo a aumentar constantemente. Segundo o relatório anual da We Are Social, Hootsuite, o acesso à internet continua a crescer acima do crescimento populacional. Em 2019, a população mundial aumentou 1,1%, chegando a 7,75 mil milhões de pessoas. A quantidade de pessoas com acesso à internet cresceu 7%, chegando a 4,54 mil milhões de pessoas (59% de penetração). O uso das redes sociais cresceu ainda mais em 2019: 9,2%, representando o acesso de 3,8 mil milhões de pessoas (49% de penetração). Para além disso, a pandemia mundial do Covid-19 deu ainda mais relevância ao ambiente digital, acelerando o processo de adoção de tecnologias diferentes para as pessoas que têm acesso à internet.
Desta forma, entender como o consumidor se comporta no ambiente digital é uma tarefa essencial para os investigadores e profissionais de Marketing. Muito já foi dito e discutido sobre o processo de compra digital, sobretudo em discussões sobre a jornada de consumo, que inclui os diversos pontos de contacto que o consumidor tem com as marcas e empresas durante a sua jornada de compra.
A pensar nesta jornada, é possível perceber que o processo de pesquisa do consumidor é, muitas vezes, visto como uma oportunidade de se conectar a consumidores, tanto que as empresas têm investido cada vez mais na chamada publicidade de pesquisa. Segundo um estudo realizado em 2018 pela Forrester Research, com 121 empresas de grande porte dos Estados Unidos, que juntas possuem um orçamento de Marketing de mais de 630 milhões de dólares. Um quarto deste valor é destinado especificamente para publicidade nas pesquisas digitais do consumidor e 69% dessas empresas afirmaram que esta participação tende a crescer nos próximos anos.
Mas nem tudo que faz parte do processo de pesquisa do consumidor é visto como positivo: o browsing – atividade que em português seria algo como “dar uma vista de olhos” – é um tipo de pesquisa exploratório que, normalmente visto por profissionais de marketing como algo negativo, e que atrapalha o processo de compra. Por isso, algumas empresas investem na criação de ferramentas para diminuir a quantidade de browsing que um consumidor realiza. A Netflix, por exemplo, lançou ferramentas que facilitam o processo de visualização de conteúdo com o intuito de agilizar o processo de escolha. O Spotify também desenvolveu ferramentas de sugestão com base em inteligência artificial, com o intuito de diminuir a navegação do consumidor no seu portefólio com milhões de opções. A preocupação dessas empresas é o consumidor sofrer um efeito chamado de choice overload (excesso de escolhas), onde o consumidor desiste do processo de compra pelo excesso de opções.
Mas o browsing tem um lado positivo que tem vindo a ser ignorado pelos investigadores e profissionais de Marketing: o aspecto hedónico que esta atividade traz para o consumidor. E isto pode fazer toda a diferença nesse comportamento.
Após uma extensa pesquisa na literatura de Marketing sobre browsing online, percebeu-se que este comportamento não é explorado especificamente como um comportamento, mas sim apenas como um tipo de pesquisa. Isto faz com que não se discutam pontos relevantes do browsing online, como as motivações e resultados que esse comportamento pode trazer para o consumidor. E é esse o ponto que envolve esta pesquisa.
Através de pesquisas em literaturas de outras áreas, como sistemas de informação e informática, entrevistas com consumidores e experimentos, percebeu-se que o consumidor encontra prazer nessa pesquisa exploratória e que o browsing online está ligado a uma série de emoções positivas do consumidor como alegria, relaxamento, esperança e até aspiração a melhores padrões de consumo: os consumidores usam o browsing como uma forma de pensar num padrão desejado de consumo, algo a ser conquistado. Assim, procuram por produtos desejo, como casas, carros, roupas de luxo. E usam esse browsing como uma atividade inspiradora na sua rotina diária.
Como resultado direto do browsing, percebeu-se três impactos positivos e um negativo não discutidos adequadamente na literatura de Marketing. Os pontos positivos são que (i) os consumidores sentem que adquirem mais conhecimento sobre produtos (se comparados com processos de pesquisa dirigida) e que, dessa forma, sentem-se mais seguros no seu processo de decisão, com mais informação e mais poder. Também pelo browsing online (ii) os consumidores passam a ter acesso a uma série de novas marcas e produtos que são identificados como positivos e passam a fazer parte da sua rotina de compras. E, por fim, que o browsing online (iii) também tem um impacto significativamente maior na intenção de compra, se comparado com uma atividade de pesquisa não exploratória, mostrando que o browsing influencia positivamente o comportamento de compra do consumidor. Como negativo foi percebido que o browsing online pode levar o consumidor à frustração e/ou ansiedade pela perda de noção de tempo, o que faz com que o consumidor passe mais tempo que o desejado na atividade.
Para as empresas, entender que o browsing online tem esse aspecto hedónico pode levar a uma conexão maior com o consumidor no processo de pesquisa. Ao oferecer estratégias digitais de conteúdo e posicionamento que privilegiem a informação e inspirem o consumidor a explorar mais as características dos produtos e das marcas, as empresas podem aumentar o engagement com os seus consumidores (atuais e novos) e criar uma relação mais próxima, trocando informações sobre a experiência de consumo, expectativas sobre o produto e percepções sobre o caminho que o
consumidor segue na sua jornada digital.
 
Por Fábio Shimabukuro Sandes, Ph.D.
 
 
Para saber mais, seguem algumas sugestões de leitura:
• Bloch, P. H., Richins, M. L., & Bloch, Peter H., Richins, M. (1983). Shopping Without Purchase: An Investigation of Consumer Browsing Behavior. Advances in Consumer Research, 10, 389–393.
• Bloch, P. H., Sherrell, D. L., & Ridgway, N. M. (1986). Consumer Search: An Extended Framework. Journal of Consumer Research, 13(1), 119.
• Chang, S.-J. S. J., & Rice, R. E. (1993). Browsing: A multidimensional framework. Annual Reviews of Information Science and Technology, Vol. 28, pp. 231–276.
• D. Wilson, T. (2017). Human Information Behavior. Informing Science: The International Journal of an Emerging Transdiscipline. https://doi.org/10.28945/576
• Kemp, S. (2020). Digital 2020:Global Digital Overview. In Global Digital Insights. https:// doi.org/https://datareportal.com/reports/digital-2020-global-digital-overview
• Lemon, K. N., & Verhoef, P. C. (2016). Understanding Customer Experience Throughout the Customer Journey. Journal of Marketing, 80(6), 69–96.
• Moe, W. W. (2003). Buying, Searching, or Browsing: Differentiating Between Online Shoppers Using In-Store Navigational Clickstream. Journal of Consumer Psychology, 13(1–2), 29–39.
• Scheibehenne, B., Greifeneder, R., & Todd, P. M. (2010). Can There Ever Be Too Many Options? A Meta-Analytic Review of Choice Overload. Journal of Consumer Research, 37(3), 409–425.
• Verblow, B. (2018). Forrester Data: Search Marketing Forecast. In Forrester Research
(Vol. 2022).
 

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